Reconhecimento de usucapião em parcela de área inferior à módulo urbano
O presente informativo tem por propósito trazer à discussão os aspectos que permeiam o instituto do usucapião especial urbano, face ao recente entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, bem assim, questão que resultou em reconhecimento de repercussão geral pela Suprema Corte[1].
Tal matéria, encontra regramento no artigo 183 da Constituição Federal, reproduzido no Diploma Civil Brasileiro, em seu artigo 1.240, cujo teor assevera o direito ao possuidor de área urbana com até duzentos e cinquenta metros quadrados, por no mínimo cinco anos ininterruptos sem qualquer oposição, desde que a utilize para sua família e não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Contudo, é cediço que as diretrizes para o parcelamento do solo são de competência do Poder Público Municipal, mediante o controle do uso e da ocupação de área urbana, dentro dos limites mínimos previstos na Lei Federal nº 6.766/79[2].
Inobstante a controvérsia que cinge a matéria em razão de provável crescimento desordenado da urbe, o entendimento firmado nos mais recentes julgados têm sido no sentido de que, independentemente do módulo urbano definido em legislação municipal, este não poderá obstar o direito à aquisição originária asseverado constitucionalmente.
Assim, temos que a modalidade de aquisição originária da propriedade, traduz o nítido respeito à dignidade da pessoa humana, ao permitir aos mais humildes o acesso à melhores condições de moradia, o que, ao nosso entendimento, consubstancia-se em pleno atendimento aos objetivos fundamentais da República, como louvável ferramenta para “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais [...]”;
Nessa senda, o reconhecimento da possibilidade de aplicação do instituto em área de imóvel com 35,49m², bem abaixo do mínimo determinado pelo município, fora objeto de decisão no Recurso Especial nº 1.360.017 – RJ (2011/0149923-6), restando assim ementado:
“DIREITO CIVIL E URBANÍSTICO. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA E ÁREA DE IMÓVEL INFERIOR AO "MÓDULO URBANO".
Não obsta o pedido declaratório de usucapião especial urbana o fato de a área do imóvel ser inferior à correspondente ao "módulo urbano" (a área mínima a ser observada no parcelamento de solo urbano por determinação infraconstitucional). Isso porque o STF, após reconhecer a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, fixou a tese de que, preenchidos os requisitos do artigo 183 da CF, cuja norma está reproduzida no art. 1.240 do CC, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote) (RE 422.349-RS, Tribunal Pleno, DJe 5/8/2015). REsp 1.360.017-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 5/5/2016, DJe 27/5/2016.”
Concluindo, em remissão ao eminente jurista Benedito Silvério Ribeiro, a função social da propriedade deverá se sobrepor aos requisitos urbanísticos, sem o rigor inerente ao parcelamento do solo.
Autores:
Ricardo Sardella de Carvalho – Advogado especializado em Direito Constitucional e Político, Direito Público e Direito Imobiliário.
Ana Claudia Gabriele – Especialista em Licitações e Contratos; Especialista em Gestão Imobiliária e Acadêmica de Direito.
Produzido em 13/07/2016
[1] Fonte: Superior Tribunal de Justiça.
[2] “Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:
[...]
II - os lotes terão área mínima de 125m² (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes;”
5 Comentários
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Vou lhe fazer a pergunta se em área inferior é possível, então em área maior é possível também ? Há o entendimento que é possível utilizar-se do usucapião para regularização fundiária de loteamento clandestino, em área rural ? continuar lendo
Prezado Wagner, boa tarde.
A contrário sensu, existe entendimento de que a "ação de usucapião não se constitui em instrumento processual adequado a regularizar o fracionamento de área rural em urbana, notadamente quando tal área é integrante de loteamento clandestino, não aprovado pelo Município, sem matrícula no Registro de Imóveis" [Apelação Cível nº 1.0241.08.027534-0/001. 10ª Câmara Cível do TJMG]. continuar lendo
não entende e para a pessoa pegar uma área neste tamanho pública e com 5 anos ela vira o dono ou e quando ela já esta neste local público a mas de 5 anos que ela vira dona? continuar lendo
Boa tarde, Simone.
O presente entendimento não se aplica aos imóveis públicos, posto que esses não são passíveis de usucapião. continuar lendo
Pimenta nos olhos do outro é refresco. continuar lendo